Cenário 4
Em 2023, o Brasil continua sofrendo os impactos da Covid-19. O país não consegue conter o vírus especialmente entre classes sociais mais baixas. O sistema de saúde público está em colapso e muitas famílias convivem com o luto e serviços básicos interrompidos com frequência. O agravamento da crise econômica desde 2020 também aumenta o desemprego.
A defasagem, evasão e abandono escolar aumentam nas redes públicas — crianças e adolescentes são demandados a trabalhar para ajudar no sustento da família. Ao mesmo tempo, há um grande movimento de alunos das redes privadas indo para redes públicas. A crise sanitária aumenta despesas das escolas com itens de higiene e de proteção individual. No contexto da prolongada crise econômica e de saúde, professores se vêem sobrecarregados de trabalho e emocionalmente esgotados.
Governadores e prefeitos ficam com a culpa pelo fracasso no combate à pandemia e o presidente reelege. O teto de gastos se mantém e, mesmo com a aprovação do Fundeb, a forte redução da arrecadação diminui recursos disponíveis para educação em geral e, em particular, para conectividade e tecnologias — impactando negativamente o Programa de Inovação Educação Conectada (PIEC) do MEC, por exemplo. Aumentam as desigualdades, com piora significativa do acesso à educação, mesmo a distância. As famílias gastam menos recursos em smartphones e planos de dados.
A gestão do MEC é marcada por uma concepção de educação conservadora e rígida que se manifesta em novas diretrizes educacionais nacionais e na oposição à participação da sociedade civil na educação pública. Após um primeiro mandato de pouca organização sobre o financiamento da educação básica, o MEC cria dispositivos para usar o orçamento que ainda dispõem para influenciar programas e políticas próprias e alheias às necessidades das secretarias estaduais e municipais de educação.
A política nacional de tecnologia educacional elaborada pelo MEC tem um foco grande na transmissão de conteúdo e habilidades técnicas e gera uma polarização, com algumas redes se alinhando ao MEC e outras buscando se articular contra. Após seguidas tentativas, o governo emplaca indicações de reitores em universidades federais, que passam a funcionar como centro de desenvolvimento de tecnologias educacionais. Centralizador, o governo, em vez de contratar edtechs, concentra o desenvolvimento próprio de tecnologia a ser usada na educação pública.
A centralização aparece também na política de conectividade. Como já vem fazendo nos últimos anos, a administração federal conecta postos de saúde e colégios desconectados usando a rede de fibra óptica da Rede Nacional de Pesquisa (RNP). A decisão resulta em serviços que são mais caros e lentos e ainda oneram o Tesouro Nacional. Para ajudar no financiamento, o governo destrava o FUST e, seguindo um modelo praticado nos Estados Unidos, cria uma nova taxa sobre conexões privadas.
A formação de professores e gestores segue uma linha centrada na dimensão técnica da atividade docente, que privilegia o papel de transmissão de conteúdos dos professores e dá menos ênfase para protagonismo dos estudantes e docentes. Existe uma resistência da academia e dos professores que, de maneiras esporádicas e não articuladas, propõem e testam alternativas.
Estados e municípios se contrapõem às propostas do governo federal, mas estão divididos e não conseguem articular uma contraproposta unificada. Ao mesmo tempo, o governo federal usa da tecnologia para colher dados e monitorar (em alguns casos via câmeras) a conduta de alunos e professores nas escolas e universidades, para garantir conformidade com as diretrizes propostas pelo MEC. A sociedade civil busca resistir à autocracia que domina o governo federal, com bandeiras como o cumprimento da Constituição e a garantia de direitos fundamentais. Porém, Consed, Undime e outras organizações se veem ameaçadas pelo governo federal, que usa mecanismos de distribuição de recursos para esvaziar essas instâncias, e com isso não conseguem se articular e representar toda diversidade brasileira. Mesmo assim, algumas poucas redes municipais e estaduais, comandadas por oposicionistas ao governo, fogem a algumas diretrizes do MEC para promoverem uma educação mais inclusiva e alicerçada na BNCC.
Em meio a tantas dificuldades, vislumbra-se atos de generosidade e engajamento, por exemplo, quando alunos de certas escolas se unem para apoiar os colegas que não têm acesso à internet. Esse tipo de iniciativa, que antes era ainda mais raro, começa a se disseminar com a Covid. Embora também isolados, grupos de professores, pais e voluntários demonstram a força da comunidade.
Os bons resultados dos colégios militares no IDEB, foco crescente do governo, no IDEB não escondem que a maioria das escolas estaduais e municipais, atingidos por cortes orçamentários, vão pior que nos anos anteriores. Há conectividade, mas, dada a baixa qualidade da conexão e a falta de estratégia do MEC sobre uso de tecnologia em aula, é difícil implementar novos sistemas pedagógicos digitais. Neste balanço entre pouco colégios militares que vão bem e milhares de colégios públicos com menos dinheiro, a evasão aumenta para seu ápice em 10 anos e o resultado do Brasil no Pisa é o mais baixo da última década.
Linha do Tempo
2021
- Evasão elevada em 2020, o número de alunos voltam pra escola diminui significativamente e muitos migram de escolas públicas para privadas.
- Nomeação de um novo ministro da educação conservador e autoritário.
- Redes de educação testam volta às aulas gradual, que precisam ser interrompidas por aumento do contágio.
- O Brasil entra em 2021 com mais de 200 mil mortos por causa da pandemia.
- Professores não conseguem diagnosticar o aprendizado dos alunos no volta às aulas.
- O governo federal, por meio da nova gestão do MEC, enfraquece a Política de Inovação e Educação Conectada (PIEC) cortando parte substantiva do financiamento.
- Com o fechamento de postos de trabalho e com a falência de empresas mais pessoas perdem o emprego e aumenta a vulnerabilidade das camadas mais pobres.
- A ocorrência de trabalho infantil e dos adolescentes para ajudar no sustento da família aumenta significativamente.
- As aulas começam a voltar tendo os colégios militares, mais rígidos quanto aos protocolos sanitários, como líderes. O MEC usa o caso de sucesso engrossa ainda mais o argumento seu de aumentar o investimento na construção de novos colégios militares.
- Na rede pública, com orçamento menor e estratégias definidas por estado, as escolas têm dificuldades em manter a rotina de aulas sem fechamentos eventuais.
2022
- Após seguidas tentativas, o MEC consegue emplacar os reitores que quer em universidades e institutos federais para controlar a gestão.
- Para manter sua popularidade alta, o presidente mantém o auxílio emergencial acima do proposto pelo Ministro da Economia, o que faz o endividamento do Estado crescer mais rápido.
- Com o auxílio emergencial e o sucesso na estratégia de responsabilizar os governadores pelos efeitos ruins da pandemia, Bolsonaro se reelege para o Palácio do - Planalto e coloca aliados em governos estaduais que lhe faziam oposição.
- O aumento da violência, resultado da evasão e do desemprego, e a proximidade das eleições presidenciais fazem com que movimentos de escolas militares ganham força. Projetos de lei para atender essa pressão social são aprovados.
- Entes federativos buscam implementar localmente políticas de acesso e de manutenção da democracia, mas, por conta da baixa articulação, acabam gerando ineficiências e deixando camadas da população desassistidas.
- O IDEB é apresentado e revela piora significativa do índice em todo o Brasil.
- Livros didáticos não dão conta de acompanhar os diferentes níveis de aprendizado dos alunos.
2023
- A desigualdade no acesso, uso e produção da tecnologia se acentua drasticamente em um contexto onde há escassez de recursos para educação
- Por conta da polarização causada pelo MEC, secretarias e instâncias como o Consed e a Undime se dividem e enfraquecem, não conseguindo ter efeitos palpáveis em resultados educacionais
- O MEC continua perpetuando uma única visão de educação e desarticulando os movimentos que se opõem a sua visão, embora estados, municípios e a sociedade civil criam pólos de resistência