Em 2023 o pior da Covid já passou para o Brasil neste cenário. A maior parte da população está imunizada contra o vírus, professores e alunos frequentam as aulas presenciais normalmente, embora ainda hajam pequenos surtos da doença em regiões mais vulneráveis, que acionam protocolos bem estabelecidos de fechamento temporário das escolas.

O estado brasileiro, no entanto, encontra-se bastante fragilizado, após uma severa crise econômica e um período de eleições fortemente polarizado. O vácuo de liderança deixado pelo governo federal nos últimos anos é, em parte, preenchido por uma atuação maior dos governos estaduais. Porém, o grande protagonista nesse período é o mercado privado, que ora se posiciona como um aliado legítimo na busca por soluções para os problemas tecnológicos e educacionais locais, ora atua com fortes interesses econômicos em detrimento de seu impacto qualificado na educação e tecnologia. A influência do mercado privado se dá principalmente nas regiões mais economicamente favorecidas, ampliando ainda mais o cenário de desigualdades entre regiões.

No campo da educação, a tecnologia continua sendo, na maioria das vezes, utilizada para reforçar um modelo tradicional de ensino, focado na transmissão de conteúdo, havendo algumas iniciativas mais inovadoras, mas isoladas entre si.

Apesar da escassez de recursos, alguns governos estaduais aumentam investimentos em infra-estrutura, conectividade e tecnologias educacionais, em certos casos com recursos privados ou de filantropia de risco (venture philanthropy). Com o governo fiscalmente fragilizado e a iniciativa privada fortalecida, há vontade política para rever alguns dos principais pontos da Lei de Licitações (LEI Nº 8.666) e explorar potenciais novos formatos de Parcerias Público Privadas (PPP).

Diante da ausência de políticas e regulamentação nacional para a tecnologia na educação e da importância dessas tecnologias na situação de pós-pandemia, entes subnacionais se articulam com organizações da sociedade civil para o desenho de projetos de uso de tecnologia na educação e pressionam o governo federal por políticas públicas de educação. Este cenário dificulta a interoperabilidade dos dados para gestão educacional e também acentua desigualdades entre diferentes regiões do país.

A pandemia de 2020 ajudou a evidenciar o abismo digital existente entre a parcela da população com acesso à internet e equipamentos tecnológicos e a parcela com restrições para acessar soluções digitais, o que influenciou a criação de projetos de lei e mudanças regulatórias que possibilitaram maior investimento privado na ampliação do acesso à banda larga por parte da população. Como contrapartida ao leilão do 5G, Anatel define regras de levar fibra para todos os municípios em um sistema que beneficia tanto as grandes operadoras, com a construção do backbone, como as pequenas, que distribuem o acesso ao consumidor.

Em educação, a maior participação das operadoras leva à criação de modelos de subsídio para contratação de dispositivos e internet para professores e para alunos de baixa renda. Acompanhando o maior acesso a infraestrutura de tecnologia, o Congresso conseguiu também aprovar formas alternativas de compras públicas criando um novo mercado para as empresas de tecnologia e educação.

Finalmente, como uma de suas poucas contribuições efetivas no período, o MEC consegue reformular o PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) para incluir a compra de tecnologias educacionais, sem contudo fornecer uma orientação de uso pedagógico dessas tecnologias. Seguindo o contexto favorável, o setor de startups de educação e tecnologia ou edtechs se fortalece, com novas oportunidades de monetização para as soluções tecnológicas. Empresas grandes e pequenas começam a se recuperar após os impactos da pandemia, em ritmos diferentes (as grandes lideram, enquanto as demais demoram um pouco mais a retomar o ritmo), embora o cenário de restrição econômica ainda represente uma enorme dificuldade para negociações com o governo.

Em sua maioria, a formação de professores tende a ser pulverizada e focada em ferramentas específicas. Surgem também novas ofertas privadas sobre como ensinar usando tecnologia, mas sem uma demanda organizada das secretarias de educação, elas ainda não impactam a formação inicial de professores e nem grande parte da formação continuada.

Dada a heterogeneidade de práticas no uso de tecnologia nas secretarias de educação/redes, alguns professores e estudantes da rede pública e privada, mais letrados digitalmente devido à imersão em ensino remoto durante a pandemia, se articulam criativamente e de forma autônoma para usar e experimentar soluções que atendam suas necessidades de ensino e aprendizagem. Mas eles são mais a exceção que a regra.

O Brasil desse cenário conquista avanços no acesso à internet, mesmo que de maneira desigual no seu território. Porém, enquanto a tecnologia é mais presente nas escolas, essas nem sempre trazem inovações pedagógicas e portanto os resultados no aprendizado dos alunos são inexpressivos. O IDEB da maioria dos municípios empaca, mesmo com mais de 90% das escolas conectadas. A recessão leva a evasão ao mais alto patamar da última década. No Pisa, os resultados do Brasil continuam a decepcionar.


Linha do Tempo

2021

  • O Brasil enfrenta uma recessão econômica, com aumento das taxas de desemprego e informalidade.
  • A pandemia pressiona as redes de educação a incorporar tecnologia e experimentar modelos de ensino remoto e, com isso, também expôs as desigualdades de acesso de professores e estudantes.
  • A falta de liderança do MEC nesse contexto, cria espaço para um maior protagonismo dos governos estaduais, Sociedade Civil e empresas privadas de educação
  • Surgem formações de professores para uso de ferramentas tecnológicas.
  • Os sindicatos dos professores resistem à nova forma de atuação e carga de trabalho.
  • Um edital do PNLD digital é publicado, permitindo compra de conteúdos digitais.
  • No leilão do 5G, Anatel prevê, como contrapartida, investimentos em uma rede de fibra que cobra quase todos os municípios.
  • Os testes para as vacinas de COVID avançam e demonstram alta eficácia. O mundo inteiro passa a fabricar as vacinas e começa uma corrida global para consegui-las.

2022

  • A recessão econômica persiste e joga milhões de famílias de volta para o nível da pobreza
  • A partir de uma consolidação das parcerias iniciadas durante a pandemia, algumas novas experiências de ensino híbrido são desenhadas e experimentadas por redes públicas de educação
  • Congresso conseguiu também aprovar formas alternativas de compras públicas, contornando a Lei 8.666/93
  • Em grande parte dos Estados e municípios o impacto fiscal negativo se aprofunda.
  • É antecipada a transição do regime de concessão para um regime de autorização, gerando novos recursos para ampliação da infraestrutura de conectividade.
  • Ao mesmo tempo, a discussão e negociação entre redes públicas e professores para regulamentar as novas exigências do trabalho com tecnologia evolui.
  • O PNLD digital é reformulado para incluir tecnologias educacionais.
  • Um forte investimento público e privado permite imunização de grande parte da população
  • Grandes editoras colocam ferramentas tecnológicas em seus serviços mas sem a preocupação com a qualidade destas, geram aumento de gastos sem impacto relevante.
  • A recessão continuada é o principal condutor das eleições. Um/a novo/a presidente se elege e o bolsonarismo perde espaço nos governos estaduais e no Congresso.

2023

  • Governos estaduais aumentam investimento em infraestrutura de conectividade, em alguns casos por meio de recursos privados ou de “venture philantropy”
  • Com a falta de regulação ou incentivos públicos, o setor privado tende a priorizar regiões mais economicamente favorecidas na oferta de soluções de educação e tecnologia. As desigualdades de acesso à tecnologia aumenta em relação a 2020.
  • O resultado da Prova Brasil é finalmente liberado pelo INEP, e revela um enorme prejuízo educacional, principalmente entre as escolas públicas.